26/03/2009

PC - crônica do Antônio Prata

08.03.09
Seção: Crônica do Guia do Estado de São Paulo, 19:17:36.

O politicamente incorreto está na moda nos meios de comunicação. (Fora deles, não, pois não pode estar na moda o que nunca caiu em desuso). Colunistas, jornalistas e blogueiros enchem o peito e, como se fossem os paladinos da liberdade de expressão, desancam os movimentos sociais, o feminismo, maio de 68, os quilombolas, os índios e tudo mais que tiver um ar de correção política ou cheire a idéias de esquerda. Tá legal, eu aceito os argumentos, mas não levantem as vozes tanto assim: não há ousadia nenhuma em ser politicamente incorreto no Brasil; aqui, a realidade já o é.

Imagine uma escola religiosa na Dinamarca. Flores nas janelas, cheiro de lavanda no ar, vinte alunos loiros, com cristo no coração e leite A correndo pelas veias, respondendo a uma chamada oral sobre o Pequeno Príncipe. Ali, o garoto que se levantar e cuspir no chão será ousado. Mostrará que a despeito do aroma de lavanda, o ser humano é áspero, é contraditório, é violento. Quando a realidade fica muito Saint-Exupéry, é importante que surjam uns Sex Pistols para equilibrar. Agora, cuspir no chão de uma escola municipal em São Paulo, diante da professora assustada que não consegue fazer com que os alunos, analfabetos aos dez anos, fiquem quietos, não tem nenhuma valentia. Quando a realidade da polis é o caos, o som e a fúria são a correção política.

O sarcasmo dirigido aos intelectuais de esquerda seria audaz e iconoclasta caso o Brasil tivesse vivido de 37 a 45 e de 64 a 85 sob as ditaduras de Antonio Candido e Paulo Freire. Se antropólogos de pochete e índios com camisa do Flamengo estivessem ameaçando o agronegócio, devastando lavouras de soja para plantar urucum e cabaça para fazer berimbau. Se durante o carnaval as feministas pusessem no lugar da Globeleza drops de filosofia com Marilena Chauí e Susan Sontag. Se a guitarra elétrica fosse banida da MPB pela banda de pífanos de Caruaru. Do jeito que as coisas são, contudo, o neoconservadorismo faz sucesso não porque choca a burguesia, ao cuspir no solo de onde brotam seus nobres valores, mas porque assina embaixo da barbárie vigente - e ri dela.

Nos EUA, o politicamente correto está tão entranhado nas relações que eles até o chamam pelo apelido: PC. Aqui, as duas letras ainda nos remetem ao tesoureiro do Collor, o ex-presidente que caiu após escândalos de corrupção e apareceu na capa dos jornais essa semana depois de ser eleito para chefiar uma comissão no senado. Enquanto não substituirmos um PC pelo outro, em nosso imaginário e nas manchetes, quem quiser cuspir no chão pode continuar cuspindo, mas deixe de lado esse tom varonil de quem está pegando touro à unha, quando não faz mais do que chutar cachorro morto.

.......
saiu daqui: http://blog.estadao.com.br/blog/antonioprata

fruta. (ôxe)

mais cor,
mais corpo,
mais molejo.

mais parece:
que esse amor
amadurece.

ainda não (amor de colégio)

Verdes de ódio - ainda,
verdes.
de mal-nascer
e já estamos no mundo.
juntos.

mas até
que tudo ia, ia,
quase ia

então, eu, pé, fixa, arraigada, digo, outra vez:
Não.

tu verde - ainda,
consente.

Somos talo
dureza.

E o amor
(- o quê??)
é nuance
é sutil,
soberano nas coisas
que eu tenho
e não vejo.

20/03/2009

O Corcovado está nebuloso.
Se eu morasse na Áustria estaria nevando.

Mas tenho vontade de ir. Vontade, sorriso.
Atravesso a rua e um ônibus (carioca) passa muito perto.
Acho que levantei um pouco do chão.
Senti embaixo da sola dos pés que a morte está logo aqui.
Mas minha vontade era maior agora, em cada pedaço da minha pele viva.

"(...) Entre o bonde e a árvore
dançai, meus irmãos!
Embora sem música
dançai, meus irmãos!
Os filhos estão nascendo
com tamanha espontaneidade.
Como é maravilhoso o amor
(o amor e outros produtos).
Dançai, meus irmãos!
A morte virá depois
como um sacramento."
(trecho do poema Aurora, de DRUMMOND)

Soturnos

1. Indo pra lugar nenhum.

Deixa eu me fechar nesse casulo nesse colchão nesse banco dentro do ônibus dentro da minha bolsa em cima da linha do trem.

2. Quero

ir realmente a lugar nenhum, sem porquê, e menos razão ainda.
Menos ainda uma razão, e menos razão do que disponho agora.

3. Nowhere
now.
here.

18/03/2009

Paulo Leminsky

"Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não, Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos."

09/03/2009

Atos

De vez em quando a saudade é aquela. Tanta, que nem sei se existe a pessoa de que sinto falta.
Se já existiu.
Parece.
Mas sei que só parece. Apenas.
Parece muito.
É invenção?
Parece tanto.
Parece.
Que. Será que não é mesmo ele?

La Nave Va (mas não por conta própria)

Realidade são fatos. Fatos: atos. E atos, criações. Criações são coisas inventadas.
Inventado é aquilo que antes não era realidade.