04/03/2010

Escapatória

de Pablo Neruda.
(traduzi livremente)

Quase pensei dormindo,
quase sonhei no pó,
na chuva do sonho.
Senti os dentes velhos
ao dormir, talvez
pouco a pouco vou
me transformando em cavalo.

Senti o cheiro do pasto
duro, de cordilheiras,
e galopei até a água,
até as quatro pontas
tempestuosas do vento.

É bom ser cavalo
solto na luz de Junho
perto de Selva Negra
onde correm os rios
escavando espessura:
o ar penteia ali
as asas do cavalo
e circula no sangue
a língua da folhagem.

Galopei aquela noite
sem fim, sem pátria, sozinho,
pisando barro e trigo,
sonhos e mananciais.
Deixei atrás como séculos
os bosques enrugados,
as árvores que falavam,
as capitais verdes,
as famílias do solo.

Voltei das minhas regiões,
voltei a não sonhar
pelas ruas, a ser
esse viajante opaco,
das barbearias,
este eu com sapatos,
com fome, com óculos,
que não sabe de onde
voltou, que se perdeu,
que se levanta sem
pampas pela manhã,
que vai se deitar sem olhos,
para sonhar sem chuva.

Apenas se descuidem
eu vou para Renaico.

Nenhum comentário: