27/03/2010

quis te explicar tudo:


meu "não"

era um não ter a mim.


assim,


com qual corpo

eu ia querer você?

26/03/2010

"Vida", Chico Buarque - é isso.


Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia
Mais doce da vida
Na mesa dos homens
De vida vazia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Verti minha vida
Nos cantos, na pia
Na casa dos homens
De vida vadia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz

http://www.youtube.com/watch?v=BoEY6TXcgR4

25/03/2010

viververia


Quem não queria ser uma vez, uma vezinha, o que não é?

quem não acha que aí sim estaria olhando pra si, quem é que quer fugir de si,
quem é que quer fugir por
não saber ainda
que porra de "si" é essa?

eu quero.

queria ir tão longe, voar voar, que ao fim de tudo, longe, reles, parca, fumaça, eu, assim,
me veria.


24/03/2010

Saciar


Eu poderia escrever pela vida inteira,

preencher com palavra

todos os espaços

vazios.

Dobras,

nervuras,

interstícios,

ligamentos.


Mas aí faltaria melodia.


E então, música:

movimento, dois acordes,

um compasso diário.


Faltaria amor


...e eu seguiria com o cavalheiro,

lhe concedendo a honra de dançar uma valsa.


Rodopiaria pelo salão,

num vestido imenso

brega, azul.


E aí me faltaria a palavra.



música

passos largos

a melodia é meu corpo todo - curvas e culotes no espaço.

e os tijolos do chão são a base quadrada 4 por 4

dessa harmonia esquisita.

cal

todos os meus órgãos estão brancos

e talvez vazios

teu amor faria quadros lindos

na minha tela lisa.


amor


eu achava que era um sentimento muito complicado

- picadas constantes de adrenalina, ou

uma fortaleza -

mas aí vi que é

não sentir solidão.

22/03/2010

Quando dá errado,
escrever é a revanche.



Você é lindo.

Eu sou complicada.

Você é simples,

eu sou linda.


De tanto desentender já me entendi:

e não sei dizer mais nada.


Expressão


Depois de dizer que eu te amo,

olhei meu rosto no espelho e, pela primeira vez depois de muitos anos,

me reconheci.



Óculos escuros


Pra me fechar um pouco.


Suturar esse tosco coração

primitivo e torto.

Errado.


O sol na cara é luz demais.

Meu peito é fraco e tonto.

Zonzo. Tanta beleza não cabe no que quero.


O que quero é pouco, fraco, parco.


Preciso fechar meus olhos pra não querer

- tão aberta -

pra não querer tanto

coisas tão rasas.

Por que não sei escrever quando estou contente.


A tristeza é lenta,

O prazer é ágil.

(claro que nem toda a rapidez é feliz).


O prazer é do corpo, é sede que move,

é a sede e a satisfação juntas.


A dor caminha.

Mas aceita - e quase goza um gozo sofrido -

quando pára

e se debruça sobre uma folha de papel.


Folha leve,

tempo lento.

Tudo escorre,

se esparrama.

A dor escoa

no ritmo que quiser.


(batidas na cadência de um jazz

e baquetas raspam na caixa,

caem junto com o compasso)


Já a alegria,

explode.


E não me deixa continuar aqui sentada.


no sinal fechado...


Não é pressa,

é só a velocidade da minha aflição.

18/03/2010

como vai? (rabisco)


como seria possível?


como?


só me pergunto isso.


o meu desejo não cala,


a doença é a vida no corpo que não cala.

que vira bicho.


como?


mas como, como???


mas não sei.

mas não sei mesmo.


mas, sozinha, não sei.


e eu sei que.

tenho ate medo de dizer.


e.

agora, como?


já matei tudo o que me fazia bem, então quero morrer.


isso não é coisa que se poste, que se bote, coloque, deixe verem.

isso não é.


isso sou eu exposta, tão rasa, tão pouca.

tão só o que sinto.


tão só.


é pouco.


é pó.


eu vivo.

mas só da pele pra fora.


eu não tenho dento de mim.


eu não sei como ir.

17/03/2010

Tem um buraco no chão que não quer abrir.
Buraco no meu vão,
Meu pé oco.
Buraco torto, acompanha a perna.
Buraco que sobe pela pele inteira.
Rôto, franzido.

Buraco que não sai de mim.
Que não pára
de não ter
o meu chão.
E se eu dissesse que te amo, o que vc faria?
O que isso mudaria?
E se eu não sei em que cidade quero morar?
E se eu apenas sei, mas tenho medo?
E se eu te amo pela vida inteira?
E se estou enganada?
Ou, pior, se estou certa?

E se você não me quiser?
"De todos os homens que conheço o mais sensato é o meu alfaiate. Cada vez que vou a ele, toma novamente as minhas medidas. Quanto aos outros, tomam a medida apenas uma vez e pensam que seu julgamento é sempre do meu tamanho."
George Bernard Shaw

15/03/2010

Eu vou

me atirar

correr mundo,

revirar...

Vou me abrir tanto, tanto,

que ao final o que vai haver é uma pessoa ordinária,

daquelas que os outros - só os tontos - se constrangem. Enrubescem.


Louca, despedaçada, rasa, rasa,

exposta.

Nada por dentro, só pra fora,

só emoção, só sensação.

Igual a todas.

14/03/2010


A vida vai
direta, vai
pra cima,
frente,
rápido,
rumo ao leste.

Vestida de um
vestido.

Vida branca,
colorida,
brilhante.

Vida vai
pra cima, rápido, pra frente.

Vida sobe
se a gente vai
os dois
juntos.

13/03/2010

como na bicicleta, no avião, no peão, na vida:
em movimento se tem mais equilíbrio.

Para pegar no sono:

natureza, por favor, me engula
Agora que a insônia fincou pé, parece que eu entendi:
ela só passa quando eu mudar.

tentar dormir de espírito muito cheio é como tentar dormir de estômago muito cheio.

12/03/2010

Eu gosto da selvageria,
da bagunça,
dos gostos,
do gostoso.

Eu gosto do cheiro
e do prazer
louco
de chegar
à tardinha numa casa,
todos,
e exaustos,
depois do dia.

O sol ainda queimando a pele
e a casa cheira à fogo,
à alguma fumaça.

O amor existe quando a gente já nem se lembra dele.
Um balde de ordens
corrosivas
é derramado sobre
o amor.

Escorre raiva.

Para fora -
rebelião,
insurgência,
defesa.

Para dentro -

um balde de ordens
corrosivas
é derramado sobre
o amor.

Bafo Quente

Um grito me arrancou da cama.
Eu me arranquei.
Todos os berros berraram
pra dentro de mim
corrosivos.

Agora tenho vontade de esmurrar,
de dar porrada,
muita porrada.

Onde???
Só posso
na minha própria raiva???

Um grito me arrancou da cama.
Todos os gritos,
berros,
gritaram.
Da minha vida toda.

Estive dentro de um baú
escuro,
embaixo de alguém
a quem já amei.

Tomando,
me mordendo, engolindo,
chupando,
tomando.

E agora
a quem posso dar porrada,
onde,
senão contra minha raiva,
contra mim?

Mas
quem é que me
subordina,
subjulga,
submete,
esmiuça,
esfacela,
emudece,
diminui,

Quem, senão
eu mesma?

A INSURGÊNCIA
É URGENTE

contra
nenhuma outra pessoa
mas
apenas
eu.

11/03/2010

O telefone me tirou da cama.

Hoje de madrugada eu roubei o cabelo de um bicho muito estranho, o mais feio deles. E usava esse cabelo.

Todos os mais queridos estavam. Aliás, os mais distantes.

O mundo era uma briga, uma corrida. Uma revolta de uns com os outros - sem saber direito o porquê.

10/03/2010

onde está a minha alma,
perdida, encarcerada,
em algum lugar desse ar?

em que rodopio me alcanço
pra sentar a bunda no chão e simplesmente estar?

(isso é voar)

06/03/2010

Eu sou que nem
aquele vidro quebrado
losângo reto e rôto,
torto já que estilhaçado.

Luz cortante entra por ele
e atinge o meu pedaço
rôto, torto, reto, quebrado.

05/03/2010

coisas e afins

objetos industriais
reviravoltas mecânicas
a casa cheia
nessa vida que não há nada.

adjetos
abstratos
insolentes
indigestos

objetos
obsoletos
inconstantes
incompletos

e essa fome de quê?
do que
aqui
não há.

04/03/2010

Escapatória

de Pablo Neruda.
(traduzi livremente)

Quase pensei dormindo,
quase sonhei no pó,
na chuva do sonho.
Senti os dentes velhos
ao dormir, talvez
pouco a pouco vou
me transformando em cavalo.

Senti o cheiro do pasto
duro, de cordilheiras,
e galopei até a água,
até as quatro pontas
tempestuosas do vento.

É bom ser cavalo
solto na luz de Junho
perto de Selva Negra
onde correm os rios
escavando espessura:
o ar penteia ali
as asas do cavalo
e circula no sangue
a língua da folhagem.

Galopei aquela noite
sem fim, sem pátria, sozinho,
pisando barro e trigo,
sonhos e mananciais.
Deixei atrás como séculos
os bosques enrugados,
as árvores que falavam,
as capitais verdes,
as famílias do solo.

Voltei das minhas regiões,
voltei a não sonhar
pelas ruas, a ser
esse viajante opaco,
das barbearias,
este eu com sapatos,
com fome, com óculos,
que não sabe de onde
voltou, que se perdeu,
que se levanta sem
pampas pela manhã,
que vai se deitar sem olhos,
para sonhar sem chuva.

Apenas se descuidem
eu vou para Renaico.
O tropeço do palhaço,
laço do sapato frouxo
calço frouxo, e tá solto o cadarço

o sapato é frouxo
o palhaço é macho
macho pacas, macho pra
levar sarro, escracho,
macho pra sentir na pele o que o outro passa
e que passa pro lado
pra não sentir na pele

o palhaço não repele
engole, inventa, devolve,
deglute, degusta,
o palhaço busca
sem saber o que vai achar

e o palhaço acha
e descobre, gargalha,
e ri

o palhaço tropeça
espatifa e não racha.
o palhaço é graça.

03/03/2010

Atinge, invade,
corta o peito.
pinga o sangue.

que marca - pra trás -
o caminho de onde eu vim.

01/03/2010

Atmosfera


Agora

escorre vento pela testa

beija a mão.


Agora

beijo antes

o homem de quem me despedi,

beijo a boca com que me despi.


Escorrega o vento

agora.


Como sal,

lambo a nuvem - mas só a olho e nada mais.


E subo muito rápido

e beijo inteiro

engulo

parte por vez,

mais tarde,

todo esse ar.


de Mauá para o Rio


manhã que não estou lá.


amo um amor

que veio comigo e chegou até alguém

aqui.

amo um amor de montanhas, de rios, de espera. de silêncio.


que nesta cidade não há.


que está em mim

guardado

está parado em mim.


a neblina, a extensão, montanhas enormes

e a saudade

são o amor que eu amo.